1º Informe das negociações da 13ª COP da Biodiversidade

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Por André Dallagnol/TDD, Letícia Tura/FASE/GCB, Lourdes Laureano/Pacari; Maureen Santos/HBS; Marcela Vecchione/NAEA-UFPA/GCB; Marciano Silva/MPA

 

Começou em 04 de dezembro a 13ª Conferência das Partes da Convenção de Diversidade Biológica – COP 13 e seus protocolos, na cidade de Cancun, México. O evento acontece exatamente um mês depois da Oficina Preparatória da Sociedade Civil Brasileira para a Convenção da Diversidade Biológica, onde foi concebida a “Carta Aberta de Recomendações da Sociedade Civil Brasileira na 13ª Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica e seus protocolos”1, assinada por mais de 60 movimentos e organizações da sociedade civil brasileira e entregue ao Ministério das Relações Exteriores na reunião com a sociedade civil ocorrida no dia 17 de novembro. As negociações e compromissos internacionais assumidos pelo governo brasileiro acontecem normalmente, apesar da crise institucional entre os poderes e de ruptura democrática no País. A partir de hoje, apresentaremos alguns informes acerca do andamento das negociações, dando seguimento ao processo de mobilização.

Nos primeiros dias de negociação, três temas despontam e demandam atenção: biologia sintética, polinizadores e Restauração de Paisagens.

  1. Biologia Sintética: Ainda sem marco legal dentro da Convenção de Diversidade Biológica, o tema vem sendo tratado de forma bastante controversa e com grandes diferenças no posicionamento dos países.

Há o entendimento por parte das organizações e movimentos sociais aqui presentes que o tema é uma questão emergente (emergent issue), pois apesar de já ter sido superficialmente debatido em COPs anteriores, nunca foi efetivamente incorporado como objeto de debate específico pela Convenção.

Alguns países como Nova Zelândia e Austrália defendem que a biologia sintética não pode ser tratada como questão emergente por, teoricamente, não se adequar aos critérios predefinidos na decisão UNEP/CDB/COP/DEC/IX/29. Tal posicionamento também é adotado pelos negociadores brasileiros.  Em caminho oposto, a Noruega apontou a necessidade urgente de revisão/atualização desta decisão.

Defendemos que o ponto fundamental na negociação sobre biologia sintética está na definição do seu significado e como se aplica, pois é a partir da definição que se estabelece a forma de inclusão nas presentes e futuras negociações dentro dos marcos da Convenção e seus protocolos. O Grupo Ad Hoc de Especialistas Técnicos (AHTEG, pela sigla em inglês) trabalhou durante anos em uma definição, mas ainda não há consenso sobre sua adoção. Ainda que a definição elaborada pelo AHTEG possa não ser a ideal, acreditamos que é melhor tê-la como marco referencial do que não dispor de definição alguma.  Por isso, é urgente que as Partes aprovem no documento final a definição elaborada pelo Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico, Técnico e Tecnológico (SBSTTA) da CDB, que considera apropriado utilizar nos marcos do Convênio e seus Protocolos a definição operativa de biologia sintética (item “c alt” do projeto de decisão XX/8 do documento UNEP/CDB/COP/13/05).

Neste sentido, é necessário abordar o tema biologia sintética no âmbito da CDB, aplicando o princípio da precaução urgentemente, pois não existe base científica sólida, nem mecanismos de regulação sobre estas atividades.2

  1. Polinizadores: na compilação de um esboço do documento final de decisão, uma parte extensa do texto sobre polinizadores foi debatida. O tema trata do impacto do uso excessivo de agrotóxicos sobre populações de abelhas e outros insetos polinizadores, o que prejudica a reprodução das plantas e cultivos agrícolas, além de agravar a perda de biodiversidade.

Dentre os diversos pontos, as questões que mais nos chamaram a atenção dizem respeito ao estabelecimento das métricas da economia dos ecossistemas e biodiversidade (TEEB) e à possibilidade defendida pelo Brasil de incluir a expressão “em cumprimento das regras multilaterais da Organização Mundial do Comércio.”3

No primeiro ponto, a menção aos polinizadores como prestadores de serviços ecossistêmicos, o que inclui a figura do pagamento, oficializa a incorporação das métricas da economia dos ecossistemas e da biodiversidade (TEEB) dentro da Convenção de Biodiversidade, ponto já rechaçado no documento de posição da sociedade civil brasileira.

No segundo ponto, a questão do cumprimento das regras da OMC pode gerar interpretações que privilegiam a aplicação das regras comerciais em detrimento das normas internacionais de conservação da biodiversidade previstas e acordadas na CDB, abrindo espaço para que futuras políticas públicas eventualmente criadas para a proteção dos polinizadores sejam consideradas como obstáculos ao livre comércio, tornando-se passíveis de consultas e de abertura de painéis no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC. Exemplo disso foi a recente consulta feita pelos Estados Unidos, questionando a política pública brasileira do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), no sentido de que poderiam ser considerados subsídios indiretos à agricultura e aos produtores rurais, o que violaria regras internacionais de comércio.

  1. Restauração de Paisagens:A restauração de biomas e de paisagens tem sido discutida como um das principais estratégias de conservação in situ pela Convenção, incluindo aqui os direcionamentos para os próprios mecanismos de financiamento da CDB.

O Brasil coloca sua capacidade para restauração como sua principal contribuição dando não só a disponibilidade de áreas de preservação, como os mecanismos institucionais e legislativos para compensar suas perdas e intensificar o uso de áreas já degradadas. Preocupa-nos, assim, no âmbito doméstico a tramitação do PL 4508/2016, da Deputada Shéridan PSDB/PR, que altera o Código Florestal para permitir a pastagem em área de reserva legal, considerando a atividade como objeto de manejo sustentável. No âmbito do CDB, tal contribuição seria preocupante não só pelo avanço da pecuária em áreas de preservação, mas pela introdução da brachiaria sp (pasto) nestes mesmos sítios. Paisagens não podem ser definidas sem considerar o componente socioambiental que se materializa na existência de Camponeses, Povos Indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais.

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1 http://terradedireitos.org.br/wp-content/uploads/2016/11/CARTA-DE-POSICIONAMENTO-SOCIEDADE-CIVIL-COP-13- MOP-8-MOP-2.pdf

2 http://terradedireitos.org.br/wp-content/uploads/2016/11/CARTA-DE-POSICIONAMENTO-SOCIEDADE-CIVIL-COP-13- MOP-8-MOP-2.pdf

3 Projeto de Decisão XX/9 do SBSTTA no documento UNEP/CDB/COP/13/05.