Comunidades no Pará discutem o retrocesso dos direitos territoriais e os avanços da economia verde

Durante o Seminário “Conhecer a Economia Verde no estado do Pará”, realizado de 18 a 20 de junho, em Santarém, foram realizados debates em torno da Economia Verde no contexto do retrocesso dos direitos territoriais e sobre o REDD, e o que este mecanismo representa para o modo de vida das comunidades onde é implementado.

O encontro buscou ampliar o conhecimento de um grupo de lideranças para se tornarem referencias na multiplicação regional das informações, na articulação para lutar na defesa dos bens comuns e denunciar as injustiças na região amazônica.

Foi construída uma linha do tempo dos principais acontecimentos a partir da década de 80 na Amazônia. Além disso, foi feita uma análise de conjuntura a partir da linha do tempo apontando eventos globais, nacionais e regionais, que não tenham aparecido na linha e que se conectem ao tema dos direitos territoriais e à prática de proteção dos povos e comunidades tradicionais.

Também foram realizadas denúncias acerca de especulações de terra que tem sido feitas por meio do cadastro ambiental rural (CAR), como casos em que são utilizados drones para realização dos cadastros e sobre cadastros sendo feitos dentro de áreas de assentamento. Sobre esse tema, também foi denunciado que muitos gerentes de banco não reconhecem o CAR coletivo.

Manoel Edivaldo, o “Peixe”, do STTR Santarém, resgatou sobre o surgimento do Grupo Carta de Belém em 2009 por meio de uma carta crítica ao Brasil e ao mundo, e sobre suas contribuições nos debates acerca da Economia Verde e da Financeirização da Natureza.

 

No segundo dia do seminário foram feitas partilhas de experiências de Almerim, do Marajó e do Acre. Pedro Teles, do Xapuri-Acre, falou sobre um projeto de manejo florestal  dito “sustentável”, por meio do qual foram cooptadas lideranças que defendiam a permanência do povo com melhor qualidade de vida na floresta.

Segundo ele, da madeira que foi extraída estão estocadas e apodrecendo, e não pagaram quem extraiu. Pedro disse que esse manejo florestal não beneficiou as famílias, pois muitos hoje estão piores do que antes. Xapuri é conhecida pela luta contra o desmatamento por meio do enfrentamento realizado pelas iniciativas dos Empates.

Também foi realizada uma mesa sobre os impactos do agronegócio X economia verde no estado do Pará, com a participação de Gilson Rêgo, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Santarém, e de Marcela Vecchione Gonçalves, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA)/UFPA e do Grupo Carta de Belém.

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Gilson (CPT) denunciou sobre as várias estratégias do capital, sendo uma delas a Lei de Regularizaçõa Fundiária Rural/Urbana, Lei nº 13.465/2017, que coloca terras públicas no mercado, muda os procedimentos para consolidação dos projetos de assentamento, extingue o conceito de “entidade representativa” e promove o aumento da concentração fundiária. Ele presentou os dados de violência do Caderno de Conflitos da CPT e falou acerca da expansão da soja e seus impactos no Planalto Santareno.

Já Marcela destacou a importância de compreender o avanço da economia verde, além da escala local, também em um sentido mais amplo, de como esse avanço está ligado ao avanço do agro-hidro-minério-negócio sobre os sujeitos em conjunto. Também explicou  como tudo está associado às políticas públicas vinculadas à economia verde, que aparecem ou para justificar o avanço do agronegócio, como na disponibilização de mais terras para esse tipo de atividade econômica, na provisão de créditos, subsídios para os grandes produtores, ou nos mecanismos de compensação, que seriam justamente para justificar esse avanço do agronegócio.

Marcela também acrescentou que as políticas públicas e os projetos que se relacionam à compensação têm um impacto direto na terra e no território, seja cercando e limitando o acesso à terra ou concentrando mais terra.

Acerca do Cadastro Ambiental Rural (CAR), a pesquisadora enfatizou que toda a concepção do CAR surge de dois estados dentro da Amazônia Legal com a agricultura de monocultivo em larga escala,  o Mato Grosso e o Pará.

Nesse sentido, ele começa a ser pensado dentro dos programas de governo estaduais, no caso o programa Municípios Verdes no estado do Pará e o programa Municípios Sustentáveis no estado do Mato Grosso. Ou seja, um programa pensado para monitorar e tornar visível um tipo de atividade não da agricultura familiar/pequeno agricultor e sim dos ruralistas.

Portanto, o CAR foi pensado como uma estratégia de avanço da economia verde na lógica da propriedade rural grande e individual, que não é a lógica da propriedade rural na Amazônia Legal. Nesse sentido, o CAR não foi pensado para atender a realidade dos agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais.

No âmbito do oeste do Pará, o instrumento do CAR atende aos interesses da Cargil, de ser um meio de avanço do monocultivo de grãos e da pecuária.

Marcela também denunciou a Medida Provisória nº 884/2019, que elimina o prazo para o CAR: “Isso foi feito para que o agronegócio coloque as informações de seu interesse no sistema. O que gera um problema muito sério é que o CAR tem sido usado como instrumento de regularização fundiária, sendo que ele é um instrumento de regularização ambiental. Já foi utilizado inclusive no nível de ações judiciais”.

Ela denunciou também o Projeto de Lei Estadual do Pará nº 129/2019 – não são só sobre áreas ocupadas, mas também áreas que estejam na pretensão de serem ocupadas. O projeto de lei também inclui que populações possam ser remanejadas. “Isso é muito sério para o Pará e para a Amazônia Legal, pois geralmente as políticas que são pensadas para o Pará servem de exemplo para os outros estados da Amazônia Legal”.

Jornada dos 10 anos do Grupo Carta de Belém

Regionalização e o desafio de localizar e territorializar a crítica à economia verde e à financeirização da natureza

Na manhã do dia 20 de junho, foi feita a apresentação da Jornada de 10 anos do Grupo Carta de Belém, na qual o seminário se inseriu.

“Para o Grupo Carta de Belém, quando falamos da economia verde e da financeirização da natureza, o mais importante é que possamos entender, combater e resistir para que esses processos não afetem e não eliminem os direitos territoriais coletivos, para impedir que façam a apropriação da terra e dos modos de vida dos povos tradicionais”, afirmou Marcela.

Participaram do encontro as seguintes oraganizações: STTR/STM, FETAGRI, CITA (Conselho Indígena Tapajós Arapiuns), FOQS (Federação das Organizações Quilombolas de STM), TAPAJOARA (Federação da RESEX Tapajós Arapiuns), Terra de Direitos, FASE, GCB (Grupo Carta de Belém), CONAQ, WRM (Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais), Fundação Rosa Luxeburgo.

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