Bioclima aguarda regulamentação há um ano

Rotulada como inovadora, iniciativa do governo estadual para conservação da biodiversidade apresenta poucos resultados práticos

Josué Teixeira/ Gazeta do Povo / A coleta de sementes para recuperar a mata em áreas de hidrelétricas, como na usina de Mauá, é uma das inúmeras ações previstas no programa Bioclima

Lançado em abril do ano passado pelo governo estadual, o programa Bioclima Paraná nasceu rodeado de adjetivos, que contemplavam o aspecto “inovador”, “desafiador” e de “grande impacto nacional e internacional” das ações a serem tomadas para garantir a conservação da biodiversidade no território paranaense e minimizar os efeitos das mudanças climáticas. Um ano depois, o programa ainda aguarda a regulamentação das leis sancionadas na época e apresenta poucos resultados práticos.

O Bioclima não chegou a tirar do papel metas e obrigações iniciais estipuladas nas duas leis e no decreto que criaram o programa, sancionadas no dia 24 de abril de 2012. Conforme os textos, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sema) deveria, por exemplo, apresentar até agosto do ano passado uma proposta de regulamentação da lei que instituiu o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) – um dos pilares do programa, que prevê a remuneração financeira de proprietários rurais que preservem áreas naturais acima do exigido por lei. A matéria ainda não foi regulamentada, apesar de a Sema prever o início do pagamento para o início do próximo semestre (leia mais nesta página).

Apatia

Para ambientalistas, falta “vontade política” para programa emplacar

Ambientalistas e entidades de conservação do meio ambiente criticam a apatia com que o programa Bioclima Paraná teria sido tratado pelo Executivo estadual ao longo do último ano. As reclamações não se referem ao teor dos projetos – em tese, considerados inovadores de fato –, mas sim à suposta “falta de vontade política” em levar as ações adiante.

O diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Clóvis Borges, chega a dizer que o Bioclima, apesar das expectativas positivas, se transformou em um “placebo”. “O programa não decola, não sai do zero. Não está acontecendo nada, nem na agenda da mudança climática ou na de conservação. O PSA [Pagamento por Serviços Ambientais] nem sequer foi regulamentado. Apenas estamos cobrando o que foi prometido”, reforça Borges.

Sem planejamento

A ausência de prioridades bem definidas que possam nortear a execução do programa a curto e longo prazo também é uma das críticas frequentes. “Não dá para exigir que o projeto seja implantado de uma só vez e em todos os municípios, mas é preciso definir áreas prioritárias, fazer escolhas e ousar”, diz André Ferretti, coordenador do Observatório do Clima da Rede Brasileira de ONGs Am­­bientais e coordenador de estratégias de conservação da Fundação O Boticário.

169 municípios firmaram parcerias para aderir ao Bioclima, além de 40 entidades e cooperativas. Um dos convênios prevê ações de coleta de sementes para ações de arborização em áreas de hidrelétricas da Copel, como na usina de Mauá, em Telêmaco Borba (Campos Gerais).

“Houve algumas interferências alheias à governabilidade da secretaria, como as mudanças no Código Florestal, que realmente bagunçaram um pouco o quadro. Mas o trabalho continua.”

Luiz Eduardo Cheida, secretário de estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos.

INFOGRÁFICO: Veja algumas das ações e metas que deram origem ao programa Bioclima Paraná

O mesmo ocorre com a lei que instituiu a Política Estadual sobre Mudança do Clima, que também aguarda regulamentação – o prazo para tal se esgotou em novembro do ano passado. Além disso, o governo estadual teria até o início deste mês para produzir o primeiro Inventário Estadual de Emissões de Poluentes, mecanismo que deve ajudar a mitigar os efeitos de desastres naturais. O inventário ainda está sendo licitado.

Abrangência

Para ambientalistas e entidades ligadas ao setor, a abrangência do programa, ressaltada pelo governo do estado, se transformou em um dos maiores empecilhos para a execução das ações. A Sema, por outro lado, informa que os atrasos se devem, em grande parte, a adequações necessárias após a aprovação do novo Código Florestal, em maio do ano passado.

“O que o programa tem de interessante, também tem de preocupante, que é o grau de abrangência. Os projetos são extremamente ambiciosos, com ações na agricultura, florestas, biodiversidade e emissão de gases. O temor é de que o programa possa se perder no meio do caminho simplesmente por falta de coordenação”, reforça Marco Aurelio de Mello Machado, professor do Departamento de Solos e Engenharia Agrícola da Universidade Federal do Paraná.

A observação parece fazer sentido ao se observar o teor do programa. Oficialmente, o Bioclima tem 24 diretrizes diferentes e nove projetos com focos diversos, que vão desde a formação de “estudantes detetives ambientais” até o “controle de espécies exóticas invasoras”.

Pagamento a quem preserva inicia em agosto

O secretário de estado do Meio Ambiente, Luiz Eduardo Cheida, afirma que, apesar dos atrasos na implantação do Bioclima Paraná, houve avanços nos últimos meses, principalmente em relação ao Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). A secretaria fez uma parceria com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), que atualmente finaliza um estudo para apontar como será na prática a remuneração a proprietários rurais que possuam áreas naturais preservadas. A previsão é que a lei que institui o PSA seja regulamentada nos próximos meses e os pagamentos iniciem a partir de agosto.

Conforme Cheida, os repasses financeiros contemplarão, inicialmente, os proprietários de Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPN) de até 20 hectares – das 222 reservas no estado, 83 se enquadram nesta categoria. Os pequenos produtores receberão, no mínimo, R$ 8.774,50 por ano. A remuneração aos demais proprietários levará em conta o valor de mercado da área, dividido em parcelas que serão pagas ao longo de 15 a 45 anos.

Critérios

Para se enquadrarem no PSA, as reservas particulares deverão se enquadrar nas áreas de florestas ombrófilas mistas ou densas e, entre mais critérios, estarão a existência de conexão com outras áreas preservadas e a presença de espécies animais ameaçadas. Os valores virão da arrecadação com a Taxa Federal de Cadastro Ambiental (TFCA) – paga por todos os entes que usam recursos naturais – e dos fundos estaduais de Meio Ambiente e de Recursos Hídricos, por meio da arrecadação com multas e compensação pela exploração de recursos minerais. Segundo a Sema, somente pela TFCA o governo estadual pretende receber R$ 6,5 milhões por ano.