De onde brotam os espinhos

Os Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultores Familiares do Brasil, em nome próprio, representados por suas entidades e entidades parceiras que subscrevem a presente, com base nos artigos 8 ‘j’, 10 ‘c’ da Convenção da Diversidade Biológica, promulgado pelo Brasil no Decreto nº. 2.519/1998, a Convenção 169 da OIT, promulgada no Decreto nº 5.051/ 2004, especialmente em seus artigos, 5, 6 e 7, no Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura, promulgado no Decreto nº 6.476/2008, especialmente em seu artigo 9, na Constituição Federal, especialmente nos artigos 215, 216 e 225, no Decreto 6.040/2007, Lei 10.711/2003, Lei 11.326/2006, e Decreto 7.794/2012, vêm a público manifestar repúdio ao Projeto de Lei que tramita na Câmara Federal sob o nº 7.735/2014, encaminhado em regime de urgência pelo Poder Executivo, sob pressão do Ministério do Meio Ambiente, Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, e denunciar os poderes Legislativo e Executivo Nacionais pela violação aos Direitos dos Agricultores Familiares, Povos e Comunidades Tradicionais, diante dos motivos que passa a expor:

 

– O Projeto de Lei representa uma nova tentativa de regulamentar o tema do Acesso e Repartição Justa e Equitativa de Benefícios, hoje regido pela MP 2.186-16/2001, que evidencia motivo de preocupação nacional e internacional, especialmente no Brasil, por sua megadiversidade e por ser, historicamente, território de inúmeras formas de expropriação de conhecimentos tradicionais e de recursos naturais.

– A preocupação para com os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais e de agricultores familiares (considerados como guardiões da biodiversidade e detentores dos conhecimentos tradicionais a ela associados) surge apenas no aspecto econômico e em especial no trato da repartição de benefícios, não considerando o papel fundamental de povos e comunidades tradicionais para o uso sustentável e a conservação da biodiversidade brasileira, os quais constituem os outros objetivos da Convenção da Diversidade Biológica.

– A não observância ao processo de debate internacional quanto à implementação do Protocolo de Nagoya sobre Acesso aos Recursos Genéticos e Repartição de Benefícios, ainda não ratificado pelo Congresso Nacional.

– A incorporação da temática de agricultura e alimentação, quando a referência é o Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura/FAO, que também abrange o uso sustentável e a conservação desses recursos, os direitos dos agricultores ao livre uso de suas sementes.

 – A ausência de um processo de consulta ampla e da participação formal de organizações representativas de Agricultores, Povos e Comunidades Tradicionais, sem que suas preocupações e contribuições fossem reconhecidas ou incorporadas, desrespeitando o exercício do direito de participação e de resguardo de seus interesses.

 – Pela invisibilidade dos sujeitos de direito que representam a força produtiva, a proteção da biodiversidade e da agrobiodiversidade nacional e que detém conhecimentos que são objeto de expropriação territorial e exploração econômica, que foram solenemente ignorados representando de um lado a relação desigual de poderes e de outro o descompromisso do Brasil com a própria legislação nacional quando conflitante com interesses eminentemente econômicos.

 – O assédio praticado pela comunidade acadêmica (que se omite em discutir os direitos dos povos e comunidades tradicionais neste processo, e pauta a discussão unicamente para garantir a facilitação do acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados, atuando na perspectiva da captura do conhecimento sem a divulgação dos resultados) e pela indústria, interessada no desenvolvimento tecnológico a qualquer preço e em altos rendimentos. 

– A exclusão do exercício do direito a negar o acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados, quando o seu próprio é sistematicamente dificultado. 

– A participação de organizações que surgem como se representantes dos interesses dos povos e comunidades tradicionais, mas que estão interessadas no lucro líquido obtido a partir da comercialização de produtos originários do acesso a recurso genético ou conhecimento tradicional associado. 

– Sem um processo de consulta e participação efetiva dos sujeitos de direito, tem-se uma proposta de legalização unilateral da exploração dos recursos e dos conhecimentos tradicionais associados, estando estes, relegados a um “obstáculo” a ser superado mediante pagamento ou promessa de pagamento. 

Pelos motivos destacados, não é possível aos Agricultores familiares e aos Povos e Comunidades Tradicionais, referendar ou participar de forma limitada e excludente das discussões deste Projeto de Lei que, a pretexto de regulamentar e impe acaba por cercear direitos conquistados a base de luta social.

O Projeto de Lei, tal como apresentado, é o reconhecimento da falência do Estado Brasileiro no combate à biopirataria e na garantia de direitos coletivos, que subserviente a sistemas corporativos industriais e financeiros, desconsidera o papel de povos e comunidades tradicionais, únicos sujeitos que efetivamente desenvolvem estratégias para o uso sustentável e a conservação da diversidade biológica brasileira.

 

Esta denúncia vem reforçar as denúncias constantes da carta ‘De Onde Brotam as Sementes’ com as recomendações da sociedade civil ao governo brasileiro, bem como a Carta elaborada pela AS-PTA que marca o posicionamento dos agricultores familiares brasileiros.

 

Assinam a presente carta:

ASA Brasil

ASA Paraíba

AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia

Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica

Associação de Agricultura Biodinâmica do Sul

Articulação Pacari de Plantas Medicinais do Cerrado;

Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses;

AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia;

Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – Agapan;

Associação das Mulheres Organizadas do Vale do Jequitinhonha;

Associação dos Agricultores Guardiões da Agrobiodiversidade de Tenente Portela – AGABIO

Associação Nacional da Agricultura Camponesa;

Associação Nacional de Agroecologia – ANA;

Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia – AOPA;

Antonio Andrioli – UFFS;

Bionatur;

Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida;

Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAA/NM;

Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária – CEAPAC;

Centro Ecológico;

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG;

Cooperativa Coppabacs – AL;

FASE – Solidariedade e Educação;

Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Brasil – FETRAF;

Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social;

Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos;

Fundação Mokiti Okada

Instituto Terra Viva do Brasil de Agroecologia;

Leonardo Melgarejo – ABA

Marcha Mundial de Mulheres – MMM;

Marciano Toledo da Silva – MPA Brasil

Marijane Lisboa – USP;

Morada da Floresta;

Movimento das Aprendizes da Sabedoria (Benzedores e Benzedeiras, Parteiras, e Costureiras de Rendidura);

Movimento das Mulheres Camponesas – MMC;

Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB;

Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA;

Movimento Urbano de Agroecologia _ MUDA;

Movimentos Sem Terra – MST;

Núcleo Amigos da Terra Brasil;

PACS – Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul;

Paulo Kageyama – USP;

Rede Brota Cerrado de Cultura e Agroecologia;

Rede de Sementes Livres Brasil

Rede Eco Vida de Agroecologia;

Rubens Onofre Nodari – UFSC;

Suzi Barletto Cavalli- UFSC;

Terra de Direitos;

Via Campesina Brasil;

Via Campesina Sudamerica;

Dep. Marcon-PT/RS;

Rede de Agrobiodiversidade do Semiárido Mineiro.

Brasília, 11 de novembro de 2014.