Para compreender a nova série de negociações climáticas

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Reunião global concluída no fim de semana, em Bonn, reabre esperança contra aquecimento global. Mas só consciência e mobilização serão capazes de produzir desfecho positivo em 2015

Por Iara Pietricovsky*, no site do Inesc

O ano de 2007 foi fundamental para o debate climático porque foi tomada a decisão política, no âmbito da ONU, de aceitar os argumentos dos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Clim (IPCC), que já demonstravam a relação entre mudança climática e atividade humana. Uma mudança, evidentemente que vinha causando impactos negativos nas populações e na natureza decorrente do aumento da temperatura da Terra. Os cientistas afirmavam que isso acontecia em função da emissão dos gases de efeito estufa (dióxido de carbono, entre outros, que sabemos que agem causando o mesmo impacto negativo quando lançados em grande quantidade na atmosfera).

Outra constatação importante foi de que esse impacto se intensificou profundamente com a Revolução Industrial, mostrando a relação direta do aquecimento global com o modo de produção capitalista. No século XX a temperatura da terra subiu 0,74 ºC e espera-se que no ano 2100 ela possa aumentar de 1,8ºC a 4ºC, caso não se faça nada de forma rápida e emergencial, pois os fenômenos destas mudanças podem ser sentidos  em diversas partes do Planeta. Para se ter uma idéia da intensidade do aquecimento, caso o aumento seja de 1,8ºC, será o maior da história nos últimos 10.000 anos.

Isso vem mostrando risco de vida para seres humanos, mas também risco de perda de biodiversidade: cerca de 20% da flora e 30% da fauna estão em processo de extinção caso a temperatura cresça entre 1,5ºC a 2,5ºC.

A parte mais grave deste processo, entretanto, são os conhecimentos que ainda não se tem, a enorme lacuna de conhecimento sobre os eventos naturais e as consequências da ação humana. Como se precaver de algo que não se conhece? Qual será o efeito do degelo das calotas polares? Do excesso de gases de efeito estufa do gás metano, por exemplo?  Aquecimento dos mares e daí por diante. Perguntas que cientistas, ativistas, cidadãos e cidadãs mais conscientes do problema se fazem diariamente.

Em 1987 estabelece-se a Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC ou UNFCCC em inglês). Ela inclui o Protocolo de Montreal, de 1987, que obriga todos os Estados membros a atuarem no interesse e na segurança humana, mesmo no caso de falta de certeza científica. A CMNUCC entrou em vigor em março de 1994. Hoje, os 195 países que já ratificaram o acordo são chamados “Partes da Convenção”.

A primeira adição a esta foi o Protocolo de Quioto (KP), aprovado em 1997. Na Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1992, no Rio de Janeiro, Brasil, foi redigida a Carta da Terra e derivaram três importantes tratados: a) A Convenção Marco  das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (CMNUCC); b) Convênio sobre a Diversidade Biológica (CNUDB); e c) Convenção de luta contra a desertificação. As três são conhecidas como “Convenções do Rio” e estão entrelaçadas e relacionadas.

De 1994 para cá foram dezenas de encontros, reuniões das Partes, chamadas COPs (Conferência das Partes) de Mudança Climática, Biodiversidade e Desertificação. Entretanto, ainda estamos longe de um acordo que seja suficientemente forte para romper a lógica do modelo vigente e sair com um marco internacional de fato revolucionário e positivo para o futuro do planeta e da humanidade. E ainda não foi na reunião preparatória de Bonn, realizada no último fim-de-semana, que esta possibilidade se apresentou.

De 2014, 2015 até 2020

Passamos por diferentes momentos ao longo das reuniões preparatórias e conferências sobre Mudança Climática, e mesmo nos momentos mais tensos (Conferência das Partes – COP – 15, em Copenhague) com intensa mobilização de rua e atenção da mídia mundial, os países não chegaram a um acordo sobre o tema. Seguimos com debates difíceis, cruzados pelos interesses específicos de países ou de grupo de países, às vezes regionais ou as vezes por condições geográficas específicas. E o que é pior, tendo o setor corporativo presente e influenciando dia-a-dia o processo, os conteúdos e as decisões políticas assumidas pelos governos. Ninguém cede posição, e neste caso, os países que mais produzem danos são os mais inflexíveis.

Parece evidente que estamos entrando, desde a Rio +20, num novo ciclo do capitalismo mundial, onde os estados e seus governos e a relação com a sociedade civil, ou seja o mundo político e democrático, está sendo redefinido por este novo momento do sistema capitalista mundial. A ideia fundada no capitalismo verde já opera em todos os espaços da governança global e dentro de cada Estado-Nação.

O que temos agora é uma negociação que deverá apresentar um rascunho de documento em maio de 2015 para entrar em vigor em 2020, criando um regime internacional com obrigações para todos os países. Assim, os países deverão entregar suas contribuições nacionais (contribuição nacionalmente determinada) com as medidas e objetivos que se comprometem executar e de onde nós, sociedade civil e órgãos de controle, teremos as bases para observar a efetividade ou não dos compromissos assumidos. O Brasil foi um dos principais defensores para que as propostas fossem realizadas por meio de consulta à sociedade civil. Teve apoio do G77 e da China. Espera-se fechar um Acordo, na COP 21, em Paris, em 2015, ainda que a internalização dos dispositivos deverá ser realizada até 2020. A ideia é que cada país se comprometa, respeitadas as especificidades de cada um. Porém, fechado o bloco de compromissos, estes virarão indicadores de referência mundial e que serão cobrados.

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A partir da COP18, em Doha, quando foi assinado finalmente o segundo termo do Protocolo de Quioto, já observávamos que este documento não teria mais poder articulador.  Com a saída da Nova Zelândia, Canadá e Russia, tendo o EUA fora desde o princípio, fragilizou-se finalmente a capacidade do Protocolo impor-se aos países ricos e fazer com que  estes assumissem suas responsabilidades históricas. O tratado saiu moribundo desta conferência. Somente 37 dos 194 países signatários da COP apoiam hoje o Protocolo de Quioto e uma dúzia deles o ratificaram até o momento. Juntos, eles respondem por apenas 15% do total das emissões de gás carbônico, além da falta de clareza para o segundo período.

Em 2013, houve a COP 19 na Polônia. O sentimento geral foi de frustração, tendo um fato político importante acontecido que foi a saída das organizações da sociedade civil, que tradicionalmente acompanham estas negociações do local onde acontece o debate.  Foi mais uma chuva de pessimismo nas negociações sobre mudança climática. Ao mesmo tempo, que a realidade demonstrava que o desmatamento aumentava, os modelos de desenvolvimento cada vez se colavam mais na idéia de crescimento econômico para enfrentar a crise mundial, ou seja, um mundo real caminhando diametralmente oposto ao que deveria estar construindo em termos de ações de pequeno, médio e longo prazos. E sem a atenção necessária da mídia mundial.

A lógica atual prioriza o fechamento do que chamam de fechar a brecha do Gigaton (close the Gigaton gap). Significa calcular quantas toneladas de CO2 precisam ser removidas, ou deixar de ser lançadas na atmosfera para que a temperatura da Terra não suba mais que 2ºC, em relação à média global no período pré-industrial, segundo IPCC.[1] Na minha visão, esta lógica demonstra que os países ricos, sabendo que não cumpririam com o Protocolo de Quito, resolveram encontrar uma solução onde todos deveriam se responsabilizar igualmente, na medida em que “estamos no mesmo barco”. Priorizou-se assim, floresta/desmatamento; agricultura; energia renovável etc. Com todo um cálculo de custo e benefício em que os países ricos financiariam projetos dos países em desenvolvimento, ficando o pagamento condicionado aos resultados (result based payments). Já os países do Sul devem demonstrar  que as ações de redução de emissões são aferíveis sob parâmetros globais de medição, relato e verificação (mesure, report and verification)[2]. Ou seja as relações e condicionamentos ainda persistem numa métrica de desigualdade entre os países.

Em 2014 começaram novas rodadas de negociações — a mais recente das quais, em Bonn. São reuniões preparatórias para a COP 20, que acontecerá em Lima, Peru. Para o mundo, significa mais um momento para centrar esforços e chegar a um acordo mais definido para a Conferência de Paris, 2015, COP 21.

Para nós, latino-americanos é uma oportunidade de construir articulações que possam sair do cerco limitado e fechado de organizações que cobrem as negociações de clima e fazer um chamado global sobre o clima que revalorize as saídas multilaterais, impedindo as “soluções” limitadas pelas lógicas de mercado. Para tanto, várias reuniões estão sendo organizadas no Peru e mesmo na Venezuela (Pré-COP Social em julho e novembro) com intenções de articular  uma agenda comum para que o debate e a força política sejam construídas desde nossa região até Paris.

As responsabilidades históricas que estão contidas no princípio nas “responsabilidades comuns porém diferenciadas (CBDR)” necessitam ser reafirmadas e fortalecidas. Não só nas COPs de Clima, mas em todas as negociações que buscam atualizar a agenda socioambiental. Essa foi uma das batalhas mais importantes da Rio + 20, em 2012, no Rio de Janeiro/Brasil, como nos debates sobre o Pós 2015. Precisamos atuar no sentido de articular e mobilizar os movimentos da sociedade civil nos diferentes espaços de negociação e fora dos mesmos, para compreender a lógica que se estabelece em cada um e poder ter uma visão estratégica mais clara na defesa dos pontos de vista daqueles que são contra a mercantilização e financeirização da vida.

Um dos aspectos mais complicados das negociações climáticas é o hermetismo. As negociações se dão numa linguagem tão técnica que dificulta um acompanhamento de qualquer pessoa que não esteja envolvida e concentrada nos temas da Convenção. O que observamos é uma falta de interesse pelas negociações ou a participação de uma pequena elite de organizações, que no geral, já foram capturadas pelas estruturas e pensamentos burocratizados destes espaços oficiais de negociação. O que pude observar em Bonn, semana passada, foi um esvaziamento e uma segmentação de temas que dificulta entender o estado da arte do debate. Os negociadores só dizem: “esta difícil” “ainda muita água vai rolar”, e assim por diante, mas tudo é opaco.

Em conversa com alguns companheiros da sociedade civil do Peru, ouvimos que o governo peruano é marrom, aposta na indústria de mineração e petróleo – num neo-extrativismo funcional ao capitalismo mundial. Daí ser importante o envolvimento dos que defendem o  Acordo de Clima associado às lutas históricas dos movimentos da região, ambiental, indígena, de mulheres, urbanos entre outros que estão diretamente relacionados a este tema.

Acredito que a COP 20 será muito importante para tentarmos desencapsular a burocracia e a tecnocracia reinantes destas negociações. Temos que jogar  luz sobre o processo, exigir transparência e clareza frente às diferentes instâncias de negociação que correm paralelas no mundo todo — desde ordem financeira e comercial até as que estão sob a égide das nações Unidas, como é o caso da COP de Mudança Climática, entre outras.

Em Paris, em 2015, os países deverão apresentar um documento final a ser implementado em 2020 e este documento tem que expressar a urgência, emergência e os caminhos de transformação e passagem deste modelo atual predatório e desigual para outro (ou outros) que abram frentes de boa esperança para as novas gerações.


*Membro do colegiado de gestão do Inesc. Iara é antropóloga e mestra em Ciência Política pela Universidade de Brasília.

FONTE: OUTRAS MIDIAS