O que esperar para o futuro depois da COP 26?

Orlando Calheiros entrevista Camila Moreno, pesquisadora da Universidade de Humboldt e membro do Grupo Carta de Belém.

Analisar os resultados da COP26 só faz sentido dentro da perspectiva do processo histórico completo de edificação das negociações climáticas. “Desde 1992, vem se concebendo a ideia de que é possível construir um regime humano para governar o clima e cada COP adiciona um tijolinho”, explica Camila Moreno. Esse regime foi evoluindo, desde o Protocolo de Quioto até o Acordo de Paris, recentemente fechado com a elaboração do seu livro de regras. “Agora está sendo feito o download de um novo software. Em Glasgow, a gente foi entendendo que software é esse que vai entrar para todo o mundo, quais vão ser as regras do game do mundo a partir de 2023”, afirma Moreno. 

A COP26 foi palco de um maior alinhamento das economias globais a favor de uma digitalização em nome do clima para gerar uma quarta revolução industrial. O software ou cenário sedimentado em Glasgow “é um mundo multilateral que pressupõe que, sem o setor privado, não poderíamos sair da crise climática”, esclarece Moreno. Até 2030, o planeta estará na década mais crítica, que tentará limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC. As economias, cada vez mais combalidas pela crise provocada pela pandemia da Covid-19 e pelo processo inflacionário do petróleo, entre outros fatores, pretendem se recuperar com a ajuda da agenda de desenvolvimento de baixo carbono: os green deals e o conceito de emissões líquidas Net Zero. “São eufemismos para falar de compensações de emissões desiguais e reindustrialização verde. Os países do Norte Global vão vender suas tecnologias para os países do Sul Global, que vão se tornar sumidouros do mundo”, defende Moreno. 

Segundo ela, as negociações têm mostrado que não existe saída fácil da crise climática e que os compromissos apresentam diversas contradições. No chamado “trem de Glasgow”, a natureza se torna produtivista e neoliberal. “As árvores passam a ser vistas como agentes a serviço da ordem global para capturar CO2, […] e a população só serve se puder ser integrada nas cadeias verdes produtivas”, afirma Moreno. 
Sob os argumentos da transição verde e da preocupação ambiental dos países industrializados, as negociações climáticas contribuem para o capitalismo digital na transformação global. Cidades inteligentes super conectadas, telecomunicações 5G, serviços de telessaúde e satélites militares de medição de metano a serem lançados pelos Estados Unidos ainda em 2022 são algumas das infraestruturas que vão sustentar esse novo mundo de baixo carbono em um contexto no qual florescem os interesses geopolíticos e militares. “Não tem nada de espontâneo nas negociações. A COP é um evento para sedimentar uma narrativa, a ideia de que há um só caminho, embora os trilhos não estejam ainda colocados”, declara Moreno. Mas, “é muito preocupante, porque é uma forma de ignorar que foi toda essa tecnologia que nos trouxe até aqui. […] Acho complicado confiar nas máquinas para nos salvar da destruição, em vez de conversarmos para construirmos uma nova civilização agroecológica”, acrescenta ela. Moreno defende que sem a digitalização não haveria a financeirização da vida cotidiana e considera que agora entramos com pé direito na nova era do capitalismo verde, e a luta da sociedade civil vai ter que reforçar mais do que nunca as alternativas desde os territórios”.

Confira a íntegra do papo com Camila Moreno: