Comunidades e movimentos populares exigem direito à Consulta Prévia em grandes obras no Oeste do Pará

Carta política do seminário Regional sobre Direitos Humanos e Defesa dos Territórios aponta a urgente efetivação do Programa de Defensores de Direitos Humanos no estado, diante do contexto de intensa criminalização dos movimentos sociais e ameaça a comunidades e lideranças. 

As mais de 100 pessoas, entre comunidades, movimentos sociais e organizações de assessoria, reunidas no seminário Regional sobre Direitos Humanos e Defesa dos Territórios, nos dias 18 e 19 de julho, em Santarém/PA,  concluíram a urgência da aplicação do direito à Consulta Prévia, Livre e Informada, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ratificada pelo estado brasileiro em 2004.

A carta política do encontro também frisa a necessidade de fortalecer e reorganizar o efetivo funcionamento do Programa de Defensores de Direitos Humanos no Estado do Pará, que atualmente é conduzido à distância por equipe ligada ao Programa Federal de Defensores da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH.  O programa do Pará foi um dos primeiros a ser executado no país, mas está paralisado desde 2012.

Esta fragilidade no desempenho do programa ocorre em um cenário de intensa criminalização dos movimentos sociais e inúmeras ameaças que rondam a vida de muitos líderes no Pará, estado com maior número de pessoas ameaçadas em situações de conflitos no campo: 46 defensores e lideranças comunitárias vivem sob ameaça, segundo o Relatório de Conflitos no Campo da Comissão Pastoral da Terra – CPT de 2013.

Confira a carta política do seminário:

Seminário Santarém_final

Carta do Seminário Regional sobre Direitos Humanos e Defesa dos Territórios

Aos dias 18 e 19 de julho de 2014, na sede do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém, nós, trabalhadores e trabalhadoras rurais, lideranças indígenas, quilombolas, extrativistas e comunidades tradicionais, juntamente com organizações de assessoria popular, nos reunimos para discutir o modelo de desenvolvimento que vem sendo implementado na região Oeste do Pará, tendo mineradoras, hidrelétricas, madeireiras, sojeiros e construtoras como as principais violadoras de direitos humanos nos nossos territórios.

Nossos territórios vêm sendo palco da acelerada implantação de empreendimentos de mineração, hidrelétricas, portos e da avançada expansão do agronegócio, com forte apoio do estado brasileiro e dos governos estadual e locais, que executam um modelo de desenvolvimento baseado no esgotamento dos recursos naturais, violação dos direitos territoriais e falsas promessas de emprego e melhorias na infraestrutura. Esta ofensiva também se materializa na perseguição às lideranças com ameaças de morte, violência, prisões ilegais e processos judiciais que criminalizam a luta.

O direito à consulta prévia, apesar de previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ratificada no ano de 2004, e ser auto-aplicável, é desrespeitado pelo Estado brasileiro e pelas empresas. Na região do Tapajós e Baixo Amazonas, destacamos os seguintes empreendimentos, que atualmente estão sendo instalados sem a realização de qualquer consulta:

>> O Complexo de Hidrelétricas do Tapajós, previsto no Plano Decenal de Expansão de Energia – PDE 2013-2022, tendo o grupo de empresas interessadas já avançado nos estudos, com a realização da Avaliação Ambiental Integrada e em processo de licenciamento.

>> Na mesma localidade, foram construídos portos na região de Miritituba para o escoamento de grãos transportados pela BR-163, servindo a grandes empresas como Bunge e Cargill, e ainda estão previstos mais outros 13 portos seguindo as margens do Rio Tapajós.

>> Em Santarém, a Prefeitura do Município está intermediando os investimentos de empresas (Embraps, CEVITAl e outras) para a construção de portos na grande área do Maicá, composta por 9 bairros. Esses bairros foram formados pelo deslocamento recente de ribeirinhos e quilombolas para as periferias da cidade, onde ainda reproduzem suas práticas tradicionais, em especial a pesca, a ser diretamente prejudicada por esse empreendimento.

>> Já em litígio judicial, a atividade de mineração da Alcoa nos assentamentos de Santarém, como o Projeto de Assentamento Extrativista (PAE) Lago Grande, representa a violação ao direito à consulta prévia, livre e informada, como nos demais casos.

Exigimos a imediata implantação de mecanismos de consulta prévia para esses e outros empreendimentos previstos para nossa região. Sobre o processo de regulamentação conduzido pelo Governo Federal, entendemos que o direito à consulta prévia é de todos os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionaise que abrange todos os tipos de impacto, sejam aqueles causados por medidas governamentais, do poder legislativo, do poder judiciário e das empresas.

Para além da regulamentação da Consulta Prévia, é urgente a criação de mecanismos que prevejam a reparação dos passivos sociais e ambientais dos empreendimentos que já existem.

E que o Estado cumpra sua obrigação na defesa da cultura e dos direitos dos povos e comunidades tradicionais, garantindo celeridade nos processos administrativos de reconhecimento dos territórios. Que assim, as Terras Indígenas do Pará sejam demarcadas, também os Territórios Quilombolas sejam titulados, e que as áreas do entorno do Parque Nacional da Amazônia sejam regularizadas em prol dos agricultores familiares.

Os protestos que questionam a implantação dos grandes empreendimentos e os impactos socioambientais do agronegócio, principalmente da exploração madeireira, vêm sendo fortemente criminalizados, com o ajuizamento de ações penais contra lideranças, utilizadas como estratégia de calar, ameaçar e deslegitimar a atuação das organizações sociais, seja por meio do indevido enquadramento em crimes, ou pela divulgação dessas ações em grande canais de comunicação. Por outro lado, crimes como a retirada ilegal de madeira e a apropriação ilegal de terras continuam impunes com grave omissão dos órgãos públicos.

Além disso, denunciamos casos graves de ameaças e violência contra lideranças das comunidades. Causam preocupação especial, nesse momento, os casos de Ladilson Amaral, liderança do PAE Eixo Forte em Santarém, cuja organização denunciou a comercialização dos lotes de assentamento por imobiliárias, e de Osvalinda Pereira, liderança da Associação de Mulheres do PA Areia II, em Trairão, que organiza atividades produtivas agroecológicas em seu assentamento e vem sendo ameaçada por madeireiros que atuam na exploração ilegal de madeira na área.

Nesse contexto, exigimos a investigação das ameaças pela Polícia e pelo Ministério Público e também o fortalecimento, reorganização e efetivo funcionamento do Programa de Defensores de Direitos Humanos no Estado do Pará, que atualmente é conduzido à distância por equipe ligada ao Programa Federal de Defensores da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH, criando diversas dificuldades no atendimento das necessidades dos defensores.

Reforçamos a necessidade de que o Programa colabore e promova, quando necessário, a articulação dos órgãos responsáveis pelas políticas públicas reivindicadas pelos defensores e suas comunidades.

Por fim, decidimos buscar a integração das nossas lutas para fortalecer a resistência nos territórios, denunciar conjuntamente as violações de direitos humanos, e estabelecer estratégias conjuntas de ação.

Santarém/PA, 19 de julho de 2014

Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém – STTR
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Federação das organizações Quilombolas de Santarém – FOQS
Conselho Indígena Tapajós Arapiuns – CITA
Terra de Direitos
Comissão Pastoral da Terra – BR 163
Comissão Pastoral da Terra – Santarém
FASE AMAZÔNIA
Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas – CONAQ
Coordenação das Associações das Comunidades Remanescente de Quilombo do Para – MALUNGU
Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande – FEAGLE
Associação das Comunidades Montanha Mangabal
Associação Comunitária dos Pescadores e Moradores de Pimental – ACPMP
Associação Comunitária Baixão Bonito
Associação Intercomunitária de Trabalhadores e Trabalhadoras Agrícolas Curuá-Una e Curuatinga – AICOTTACC
Associação dos Pequenos e Médios Agricultores da Comunidade Cocalino
Associação de Moradores do Km30
Associação Rádio Comunitária Campo Verde
Associação de Moradores Arco-Iris
Associação das Mulheres do PA Areia II
Federação das associações de Moradores, Comunidades e Entidades do Assentamento Agroextrativista – Eixo Forte
Associação das Comunidades da Reserva Extrativista Renascer – GUATAMURU
Justiça e Paz integridade da Criação – Pastoral social
Pastoral da Juventude – Prelazia de Itaituba
Pastoral Social – Diocese de Óbidos
TAPAJOARA – Associação da Resex Tapajós-Arapiuns
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Itaituba
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Trairão
Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará – Subsede de Rurópolis – SINTEPP

FONTE: TERRA DE DIREITOS