Declaração Grupo Carta de Belém frente à COP 19 Mudanças Climáticas – Varsóvia 2013

NÃO aos mecanismos de mercado como solução para o enfrentamento da crise ambiental e climática

Apesar dos sucessivos fracassos em relação às soluções de mercado propostas nos últimos 20 anos das negociações da UNFCCC, alguns governos continuam insistindo em promover os mecanismos de mercado dentro do marco regulatório de clima para solução da crise climática. As negociações sobre financiamento para o mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) vêm caminhando neste sentido e muito nos preocupa.

 

Desde a sua criação em 1992, o objetivo da Convenção de Clima é a de reduzir as emissões de gases de efeito estufa de modo que não se implique em risco aos sistemas naturais do planeta Terra. De acordo com o texto da UNFCCC visa “a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático”. Este objetivo não conseguiu ser atendido, ao contrário, o único instrumento jurídico vinculante, o Protocolo de Kyoto, que definiu o corte ínfimo de apenas 5,2% das emissões dos países do Norte (em relação aos níveis de 1990) para um período até 2012, teve seu segundo período aprovado, mas com forte debilidade devido à saída de alguns países do mesmo e das metas estabelecidas.

 

Foi demonstrado desde a criação de Kyoto que o foco do mesmo, ao invés de ser o de atender ao objetivo da Convenção, foi de institucionalizar o mercado de carbono no âmbito das Nações Unidas e no interior dos países signatários. Fica cada vez mais evidente que a criação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – dentro dos mecanismos de flexibilidade presentes em Kyoto – e sua implementação nos países em desenvolvimento vêm aumentando os impactos locais negativos onde os projetos são instalados, ampliando situações de injustiça ambiental e de violações dos direitos humanos e não contribuem efetivamente para a redução de emissões.

 

Atualmente, após a criação do mecanismo de REDD na COP 15, em Copenhague, o mercado de carbono se consolida como principal aposta para propostas em curso da janela de financiamento para REDD+ no Fundo Verde. As organizações e movimentos sociais que compõem o Grupo Carta de Belém e que lutam pela justiça ambiental e climática rechaçam o REDD+ como mecanismo de mercado de carbono que sirva também para compensar as emissões de gases dos países desenvolvidos. Estas organizações entendem que o mercado de carbono e o mecanismo de REDD+ são falsas soluções à crise climática e vão contra a necessidade dos países do Norte de assumirem suas responsabilidades e dívidas históricas com os países e povos do Sul e de reduzirem suas emissões, bem como transferem o foco das discussões da queima de combustíveis fósseis, verdadeiras responsáveis pelas mudanças climáticas atuais, para as florestas.

 

O Brasil, no âmbito doméstico, vem criando instrumentos legais que estão produzindo o desmonte da legislação ambiental nacional, com a flexibilização do Código Florestal, com o PL 195/2011 sobre REDD+ e o PL 792/2007 de contratos de pagamentos por serviços ambientais, propostas que ultrapassam o modelo de incentivos promovidos por políticas públicas para a comercialização da biodiversidade e dos bens comuns, bem como fortalecendo o mercado de carbono a nível nacional por meio da criação de títulos representativos de estoques de carbono (Certificado de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal – CREDD) ou de florestas e da biodiversidade (Cota de Reserva Ambiental, contida na atual proposta do Código Florestal).

 

Ademais, reafirma-se, em fortalecimento da soberania nacional e dos povos, a importância do Fundo Amazônia, desde que este se apresente como iniciativa de reforço e promoção da soberania de comunidades na floresta estimulando seus sistemas produtivos locais, sem qualquer natureza compensatória. Para além dos arranjos e mecanismos de mercado para realização desses modos de vida e produzir, é fundamental a defesa da presença do orçamento público.

 

Por estes e outros motivos o grupo Carta de Belém finaliza reafirmando o apoio à posição do Itamaraty de não abrir o mercado de carbono para financiamento de REDD, ao mesmo tempo em que alerta os negociadores brasileiros que a construção de um marco legal nacional conforme apontado anteriormente poderá gerar um fato consumado e impossibilitar qualquer barganha nas negociações internacionais de clima e inviabilizar qualquer iniciativa futura de proteção da soberania nacional do Estado e de seus povos aos territórios, bem como de políticas que enfrentem de fato a crise climática por fora do mercado.

Assinam:

Amigos da Terra Brasil; ANA Amazônia – Articulação Nacional de Agroecologia; CIMI – Conselho Indigenista Missionário; Comissão de Meio Ambiente/CUT – Central Única dos Trabalhadores; FAOR – Fórum da Amazônia Oriental; FASE; Fetraf Brasil – Federação dos Trabalhadores/as da Agricultura Familiar; Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social; INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos; MMC – Movimento de Mulheres Camponesas; MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores; MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais; Terra de Direitos e Via Campesina Brasil.