Governo Federal atropela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e privatiza UCs sem consulta às populações impactadas.
O Programa Adote um Parque, instituído por meio do Decreto Federal Nº 10.623/2021, criou mecanismo que privatiza e transfere a responsabilidade pública das unidades de conservação (UCs) federais para pessoas físicas e jurídicas privadas, nacionais e estrangeiras, segue avançando no comando de Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente. A lista completa das 132 UCs incluídas na primeira etapa do Programa foi divulgada por meio da Portaria Nº 73/2021 do Ministério do Meio Ambiente. Ela abrange UCs da Amazônia Legal nas modalidades de FLONA, RESEX, REBIO, PARNA, APA, RDS e ESEC.
De acordo com o Decreto Nº 10.623, o programa permitirá que os adotantes, ao investirem em bens e serviços na UC, possam ter contrapartidas como o uso da unidade para atividades institucionais temporárias, dentre outros benefícios. O Programa está realizando o leilão das UCs a R$50,00 ou €10 por hectare ao ano. De acordo com o Edital de Chamamento Público do Programa Nº 04/2021, a proposta mais vantajosa será a que ofertar o maior valor, considerando os valores mínimos estabelecidos. É uma espécie de “Quem dá mais?” pelas unidades de conservação da Amazônia.
Ainda segundo o Edital, o ICMBio apresentará uma lista sugestiva dos bens e serviços necessários para a UC adotada, mas ficará a critério do adotante efetivá-la, podendo ele elaborar sua própria lista de bens e serviços a serem doados, consoante ao valor global proposto. Essa lista compõe o plano de trabalho a ser executado pelo adotante, que é apresentado ao ICMBio junto com a proposta de adoção.
Até o momento, o MMA já anunciou a adoção de 08 unidades de conservação ao setor corporativo. Dentre elas, estão inseridas UCs nas categorias de Reserva Extrativista (Resex) e Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), ambas constituem o Grupo das Unidades de Uso Sustentável, conforme Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
As UCs adotadas até o momento somam 121.354 hectares. São estas, com seus respectivos adotantes:
- RESEX do Lago do Cuniã (RO) – Carrefour
- ARIE Dinâmica Biológica Fragmentos Florestais (AM) – Genial Investimentos
- RESEX São João da Ponta (PA) – Coopecredi Guariba
- RESEX Chocoaré Mato-Grosso (PA) – Geoflorestas
- ARIE Seringal Nova Esperança (AC) – Coplana
- RESEX do Quilombo Frechal (MA) – Heineken
- RESEX Marinha Cuinarana (PA) – MRV
- ARIE Javari Buriti (AM) – Coca-Cola
Além destas, o MMA também divulgou a adesão da Caixa Econômica Federal ao Programa, com o total de investimentos de 150 milhões de reais para proteção de 3,5 milhões de hectares. A divulgação das atas oficiais com as UCs adotadas pela Caixa ainda não foi feita pelo MMA. A Caixa divulgou no dia 18/05/21 em suas redes sociais visitas às seguintes UCs, relacionadas à sua adesão ao Programa:
- Floresta Nacional do Tapajós, no Pará;
- Reserva Extrativista da Marinha do Soure, no Pará;
- Reserva Extrativista do Médio Purus, no Amazonas;
- Reserva Biológica do Abufari, no Amazonas;
- Floresta Nacional do Bom Futuro, em Rondônia;
- Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia;
- Floresta Nacional do Jacundá, em Rondônia.
A oitava adoção, da Coca-Cola, foi anunciada pelo MMA no dia 29 de abril de 2021. Até o momento não foram divulgadas as atas de sessão pública e de resultado da adoção, conforme o Edital de Chamamento Público Nº 04/2021. Não há transparência sobre o que está sendo negociado e sobre como se darão os próximos passos, como a execução do plano de trabalho pelas empresas adotantes. Nos documentos oficiais não é mencionado sobre o diálogo e/ou consulta junto aos comitês gestores e às comunidades das unidades de conservação em nenhuma das etapas de adoção.
Desde o lançamento do Programa, foram feitas manifestações contrárias a ele, como a carta assinada por mais 40 organizações da sociedade civil e a carta do Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS). As organizações e movimentos denunciam a desresponsabilização do Estado em gerir as UCs, a ausência de diálogo e consulta com a população e com as comunidades tradicionais diretamente impactadas, que estão sendo informadas das adoções pela imprensa, o que fere o direito à consulta livre, prévia e informada, conforme prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além disso, o Programa inclui UCs que possuem situação de sobreposição com áreas indígenas, quilombolas e de povos e comunidades tradicionais. Como exemplo de sobreposição, há a Terra Indígena Apiaká do Pontal e Isolados no Mato Grosso, que teve aproximadamente 100% de sua área sobreposta pelo Parque Nacional do Juruena (AM/MT), que está incluso na Portaria Nº 73/MMA. As terras indígenas são de usufruto exclusivo dos povos indígenas (Art. 231 CF) e as organizações indígenas não foram consultadas sobre o Programa Adote um Parque.
*Texto elaborado por Mariana Pontes da Secretaria do Grupo Carta de Belém com contribuições de demais membros do Grupo Carta de Belém. Artigo publicado originalmente em 24/05/2021 pelo jornal Brasil de Fato.