O que vai prevalecer, ciência ou finanças?

por Washington Novaes

“Apesar das gravíssimas ameaças conhecidas, os investimentos em energias ‘limpas’ no primeiro trimestre deste ano ficaram 22% abaixo dos que foram feitos em igual período do ano passado. Em 2012 o investimento global em renováveis já caíra 11%, para US$ 269 bilhões. E, segundo a ONU, é preciso investir anualmente pelo menos US$ 700 bilhões para atender à população de 8 bilhões de pessoas em 2030”, escreve Washington Novaes, jornalista, em artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, 03-05-2013.

Eis o artigo.

Em princípio, termina hoje  em Bonn mais uma reunião da Convenção do Clima em que se tenta chegar a acordos para um compromisso, a ser assinado no ano que vem, no qual todos os países-membros, em princípio, assumirão compromissos obrigatórios a partir de 2020 para reduzir as emissões de gases poluentes que aumentam a temperatura da Terra e intensificam os desastres climáticos. Pode ser que a reunião se prolongue neste fim de semana, porque em discussões dessa natureza ninguém abre todo o jogo antes da última hora e isso obriga a penosas negociações finais.

O grupo dos países menos desenvolvidos aperta as cravelhas: “Precisamos chegar a um acordo já, não podemos continuar rodando em círculos, porque nesse ritmo a temperatura planetária poderá subir mais de 4 graus Celsius; nós somos e seremos os mais atingidos pelos desastres”. O próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, faz coro (Bloomberg, 24/4): “Os recursos para energias renováveis e eficiência energética não são suficientes para evitar as calamidades; é preciso investir mais e mais rapidamente em novas tecnologias energéticas. Já são muito fortes as ameaças às economias dos países e à estabilidade do sistema financeiro. O relógio está correndo. Nós só temos um planeta e não há plano B”. Christiana Figueres, secretária-geral da convenção, reforça: “Nenhum país está fazendo o suficiente”.

Todos têm razão. Apesar das gravíssimas ameaças conhecidas, os investimentos em energias “limpas” no primeiro trimestre deste ano ficaram 22% abaixo dos que foram feitos em igual período do ano passado. Em 2012 o investimento global em renováveis já caíra 11%, para US$ 269 bilhões.

E, segundo a ONU, é preciso investir anualmente pelo menos US$ 700 bilhões para atender à população de 8 bilhões de pessoas em 2030. As emissões de poluentes na GrãBretanha (Environment, 25/4) aumentaram, embora o país as atribua a mais produtos importados (em lugar dos poluentes que eram fabricados internamente).

Nos EUA, o presidente empaca em seus projetos de um modelo menos poluente, diante da resistência do Congresso. Metade da energia consumida no país é desperdiçada, mais que todo o consumo no Japão (New Scientist, 13/4). Na Austrália, teme-se que acabe implodindo a “bolha” do comércio de carbono, principalmente nas exportações, pois ao menos dois terços das gigantescas reservas de carvão terão de permanecer no subsolo, inexploradas (The Guardian, 28/4), diante de limites graves.

A China começa a assumir a vanguarda na área das renováveis, embora ainda seja o país que mais emite poluentes. Em 2012 investiu US$ 65 bilhões nessa área (AFP, 27/4), 20% mais que no ano anterior, ou 30% do investimento total dos países do G-20. Na energia solar o crescimento foi de 75%; na eólica, 36%. No mundo, o crescimento na primeira área foi de 42%; na segunda, 21%. Ainda assim, as emissões globais aumentaram em 2012. Rajendra Pachauri, que dirige o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), não se cansa de advertir: se as emissões não baixarem, até 2050 a temperatura subirá entre 2 e 2,4 graus Celsius, pelo menos; e o nível dos oceanos se elevará entre 0,4 e 1,4 metro; poderá ser até mais com o degelo no Ártico.

E onde fica o Brasil nesse panorama? Garantem nossos técnicos que o Plano Nacional de Mudanças do Clima está sendo revisto e será levado à convenção, com o compromisso de reduzir as emissões entre 36,1% e 38,9% sobre o patamar previsto para 2020 – o que significa 1 bilhão de toneladas equivalentes de carbono. Estudo da Unicamp garante (24/4) que a agropecuária poderá contribuir com 13% da redução, graças principalmente à recuperação de 19 milhões de hectares de pastagens degradadas.

O Observatório do Clima, que reúne mais de 30 ONGs, observa, entretanto, que o governo Dilma Rousseff não dá a devida importância à área do clima (Valor Econômico, 25/4). Outros críticos afirmam que não se pode continuar depositando as esperanças nacionais no petróleo do pré-sal, pois, além dos problemas da poluição no consumo, não estão equacionados os das tecnologias a serem usadas na extração e possíveis consequências ambientais.

Nesse contexto é lembrado o relatório da Carbon Tracker e do Instituto de Pesquisas Grantham segundo o qual de 60% a 80% das reservas de petróleo, carvão e gás natural em poder das grandes empresas “nunca poderão ser aproveitadas” – diante do que estabelecem e estabelecerão os acordos em discussão na área do clima, como na conferência que se realiza em Bonn. Trata-se, diz o relatório (apoiado por HSBC, Standard and Poor’s e Agência Internacional de Energia), de uma nova “bolha financeira”, que poderá gerar nova crise mundial. Ainda assim, adverte o conceituado economista Nicholas Stern, as 200 maiores empresas do setor investiram US$ 674 bilhões na descoberta de novas reservas no ano passado – cerca de 1% do PIB mundial.

Reforça apreensões o relatório do Scripps Institution of Oceanography, da Universidade de San Diego, segundo o qual no dia 22 último um laboratório no Havaí registrou o índice de 398,36 partes de poluentes por milhão (ppm) na atmosfera (eram 250 no início da revolução industrial). E há outros pontos do planeta onde esse índice já superou 400 ppm – taxa só registrada na Terra há pelo menos 3,2 milhões de anos. Se chegar a 450 ppm, dizem os cientistas, as consequências serão inimagináveis.

Que prevalecerá? A lógica apenas econômico-financeira? Ou a crença – que a ciência julga perigosa – de que novas tecnologias resolverão tudo? Ou ainda a convicção de economistas (ou ex-economistas, assim ele se qualificou há algum tempo) como André Lara Resende de que “existem limites físicos para o crescimento” (Valor Econômico, 26/4) – pensamento que está no livro Os Limites do Possível, que acaba de ser lançado?

 

 

Praia, areia, peixinhos e Polícia Federal

por Demetrio Luis Guadagnin

“Só ouvi até o momento palavras preocupadas com a agilidade com que as licenças ambientais devem ser emitidas para que o meio ambiente não prejudique o desenvolvimento. Afinal, é uma questão de sapinhos e peixinhos. Como se existisse desenvolvimento sem proteção ambiental”, comenta Demetrio Luis Guadagnin, professor do Departamento de Ecologia da UFRGS, referindo-se às investigações da Polícia Federal, no Rio Grande do Sul, referente ao esquema de crimes ambientais, em artigo publicado no jornal Zero Hora, 04-05-2013.

Segundo ele, “a PF pegou alguns casos. Revendo licenças concedidas, encontraremos outros”.

Eis o artigo.

O esquema de crimes ambientais investigado pela Polícia Federal expõe um ciclo pernicioso da degradação ambiental e moral.

Os últimos remanescentes das paisagens típicas do nosso litoral estão sob permanente e intensa pressão dos novos balneários, condomínios, parques eólicos e estradas duplicadas. Os espaços públicos necessários para a qualidade ambiental não são criados na mesma medida. Faltam parques, áreas de preservação permanente e áreas de lazer. Estreitam-se os acessos públicos às praias. A rica biodiversidade regional é substituída por vegetação monótona. Nossos filhos já nascidos vão crescer sem saber o que são dunas de areia, ou achando que a paisagem do litoral se parece com as florestas do Canadá.

Temos poucos peixes nos rios, em parte porque seus ambientes de reprodução estão sendo contaminados e destruídos pela mineração. Por isso, peixes nossos, como o dourado, praticamente desapareceram do mercado. A qualidade da água piora porque os banhados desaparecem. Praias de rio que antes serviam de lazer local para a população desaparecem ou são contaminadas. A população, então, precisa viajar até o litoral em busca de praias, águas mais limpas e espaços de lazer. Então, precisamos de mais estradas, mais balneários e o ciclo se realimenta.

Com decepção, só ouvi até o momento palavras preocupadas com a agilidade com que as licenças ambientais devem ser emitidas para que o meio ambiente não prejudique o desenvolvimento. Afinal, é uma questão de sapinhos e peixinhos. Como se existisse desenvolvimento sem proteção ambiental. Só ouvi como solução que o licenciamento ambiental seja como um cartório, onde licenças são emitidas porque documentos são entregues. A realidade é que muitos estudos ambientais não têm qualidade e são rejeitados pelo corpo técnico. Alguns são depois avalizados pelo andar de cima, no canetaço. Faltam também investimentos no quadro técnico, em número e capacitação. Disto decorrem processos mal instruídos, licenças rejeitadas ou questionáveis, atrasos e corrupção. A PF pegou alguns casos. Revendo licenças concedidas, encontraremos outros.

A conta dos problemas ambientais sempre é paga por alguém. Paga toda a sociedade, indiretamente, pelos reflexos no sistema de saúde, no custo da água, na qualidade dos alimentos, nas oportunidades perdidas junto com o patrimônio genético da biodiversidade, na necessidade de turismo caro e distante e de mais impostos para sustentar o sistema de proteção ambiental cada vez mais caro. Pagam mais caro os refugiados ambientais, forçados a viver em áreas de risco, contaminadas e sem os recursos naturais dos quais dependem. Uma parte da conta deixamos para os filhos pagarem mais tarde. Que paguem agora os culpados. As praias de rio e mar, nossos filhos, os refugiados ambientais, os peixinhos e os sapinhos agradecem.

Operação Concutare. O verde é um problema seu

De repente, falar em meio ambiente tornou-se ponto alto na agenda da semana. Uma investigação da Polícia Federal, cujo nome, Concutare (“concussão”), alude à obtenção de vantagens ilícitas, revelou um esquema de corrupção em torno de licenças ambientais. Do dia para a noite, o tema escanteado passou a centro das atenções. É quase sempre assim que a questão ambiental ganha força. Salvo raras exceções, é preciso que a árvore caia para a sociedade perceber que um dia ela esteve lá.

A reportagem é de Lara Ely e publicada pelo jornal Zero Hora, 04-05-2013.

O caso em questão traz a reflexão sobre o que torna as pessoas tão sensíveis ou indiferentes ao cuidado com a natureza. Fanatismo? Paixão? Ideologia? Oportunidade de mercado? Cientificismo? Não é de hoje que a pauta ambiental divide ardorosos e polêmicos embates mesmo entre os menos politizados. É como Gre-Nal: todo mundo tem uma posição. Mas por que a maioria, mesmo simpatizantes da causa, precisa de um estopim para se mobilizar pela defesa do verde?

“É impossível ser ecologicamente sustentável se a pessoa visa apenas ao enriquecimento próprio. O Estado é cheio de pessoas assim, que pensam apenas em si. Há muita retórica e pouco comprometimento prático. Só vai haver sustentabilidade ecológica se as pessoas se dispuserem a evoluir como seres humanos, e isso passa por uma reforma individual. Em geral, as pessoas não são educadas para estes valores humanos, e sim para valores competitivos”, diz o filósofo e ecologista Vicente Medaglia, da ONG Ingá Estudos Ambientais.

Essa crise de valores por parte dos cidadãos e dos gestores causa impactos de várias matizes. Do problema do trânsito congestionado à falta de estacionamentos. Do alagamento das ruas em dia de temporal às doenças respiratórias causadas pela poluição atmosférica. Passa também pela diminuição do verde e pelo aquecimento das metrópoles, pela verticalização das construções, pela falta de balneabilidade do rio, pelo gosto ruim da água, pelo lixo jogado no arroio, pela insegurança dos parques. E por aí segue uma longa lista de consequências que nascem do “não tenho nada a ver com isso” e acabam virando um angustiante “quem irá resolver?”.

O imediatismo e a falta de mobilização – a não ser diante de catástrofes – fazem o brasileiro negligenciar medidas preventivas. Na visão do biólogo e doutor em ecologia Paulo Brack, a sensibilidade das pessoas pode ter sido absorvida pelo consumo. Para ele, há um deslumbramento em relação ao crescimento econômico. Com a ascensão da classe C e a blindagem do Brasil à crise econômica, o país teve um aumento do consumo e o consequente agravamento dos problemas ambientais”.

O símbolo máximo desse quadro seria o automóvel, cuja aquisição foi facilitada pelo governo com a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

“Ficamos com as ruas abarrotadas de carros e mais poluição. O governo faz vista grossa para o que deveria estar em primeira mão”, diz Brack.

Na contramão dessa tendência, muitos gaúchos vêm tentando aplicar medidas efetivas. Os ciclistas, por exemplo, deixaram de esperar uma solução pronta, e estão pedalando por um mundo melhor, dando exemplo sobre mudanças de hábito. É dessa forma, com atitudes singelas, que Brack acredita na contribuição para um mundo mais sustentável. Embora não se fale muito, a questão ecológica toca também o aspecto humano. E o resgate de valores, segundo ele, faz parte de uma revolução interna, que a própria esquerda parece ter deixado de por em prática.

Inúmeras são as questões na atualidade que demonstram a falta de lugar da sustentabilidade na sociedade contemporânea. Ela é uma questão de todos e de ninguém. Falar a sério sobre água, biodiversidade, clima, energia, alimentos orgânicos, agricultura, qualidade do ar, poluição, preservação das espécies, é algo que as pessoas preferem não fazer no seu dia a dia.

“A questão ambiental é bonita nos comerciais de TV, no cinema ou nos livros. Quando sai do discurso e entra na prática, torna-se muito mais complexa. As pessoas gostam da natureza, mas quando vão para ela, não querem aquilo que ela proporciona”, observa Luis Felipe Nascimento, do programa de pós-graduação em administração da UFRGS.

Um dos fatores pelos quais muitos evitam se preocupar com o tema é a gratuidade dos recursos naturais. Na maior parte das vezes, o bem natural é público, e pode ser usado por todos. Por isso, explica Nascimento, muitos delegam para o Estado o cuidado com o verde. O problema é que dentro das estruturas do próprio Estado, o tema também é posto de lado.

“Invariavelmente, a área socioambiental é ignorada pelos governos – explica, acrescentando que é comum não se escalar as pessoas mais qualificadas ou aportar os recursos necessários para a pasta.

Nascimento espera que se tire uma lição das denúncias da Operação Concutare. Diferentemente do que aconteceu com a boate Kiss e suas 241 vítimas, em Santa Maria, ele deseja que não seja necessário chegar a piores consequências para que se adquira consciência sobre o cuidado com o planeta.

“Não haverá paz sem justiça ambiental”. Entrevista com Luiz Augusto Passos

Filósofo e integrante do Grupo de Pesquisa de Movimentos Sociais e Educação da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Luiz Augusto Passos realiza pesquisas na área de educação ambiental e movimentos sociais. Nesta entrevista, ele apresenta algumas interpretações dos paradoxos ligados à questão do meio ambiente.

A entrevista é publicada pelo jornal Zero Hora, 04-05-2013.

Eis a entrevista.

Por que a questão ambiental só é discutida quando há denúncia, acidente ou polêmica?

O filósofo alemão Wittgenstein dizia que aquilo que está muito perto dos olhos, a gente não enxerga. E a reiteração da situação acaba por torná-la natural. A gente se acostuma e não se sente mais comprometido. A questão ambiental está prejudicada porque a cultura que nos envolve está divorciada da natureza. A modernidade dividiu as questões do pensamento daquelas do mundo material. E elas são sempre inseparáveis. São duas faces de uma mesma moeda. É necessário um esforço contínuo de aproximá-las.

O meio ambiente ora é um bem público, ora é privado. Isso cria nas pessoas uma sensação de indiferença para a questão?

Infelizmente as pessoas se relacionam com os bens públicos e de acesso a todos e inserem-nas na área da exploração econômica, como é o caso da água, e do ar. A cada dia aquilo que pertencia por direito a todas as pessoas, por pura perversidade, tem sido reservado ao cativeiro do mercado. De forma que é exato o que você pergunta: há uma cultura mercadológica que pensa todos os seres como vinculados a uma lógica de mercado. Isso significa a perda do sentido de pertença à comunidade humana, à comunidade política, e a atribuição do poder político a uma representação, que dia a dia não nos representa, mas está a serviço de grandes interesses de corporações multinacionais. De sorte que saúde hoje se rege por uma cultura da doença e da morte. É preciso se redefinir o Estado brasileiro e a relação federativa, entendendo que o fundamento do poder pertence a cada cidadão.

Na história do Brasil, há situações em que o território, o ambiente e a biodiversidade foram alvo de disputas. Essas disputas seriam as raízes do paradoxo entre a indiferença e o excesso de zelo pela natureza?

Não creio que se possa chamar de indiferença. Penso que é um sentimento reiterado de não se ter a quem recorrer no campo do Direito. Tivemos agora a polêmica no âmbito dos poderes da República, e que esclarece muito bem o conflito posto pelo filósofo Giorgio Agamben, de que para salvar o Estado de direito se articulou o Estado de exceção. Busca-se hoje tanto esvaziar o Executivo, chamar todas as decisões ao âmbito das casas do Legislativo que em sua maioria expressiva não nos representam. E polemiza-se o âmbito do Judiciário. Os gaúchos sabem, todavia, que é bem perto do fogo que tem aragem. Trata-se de enfrentar os problemas trazendo-os à luz, sem temer expor, como hoje se expõe, essas situações de destruir os esforços de consolidar o âmbito de biodiversidade, de participação dos direitos dos mais empobrecidos e portadores de diferenças culturais, sobretudo indígenas, quilombolas, população ribeirinha, sem-terra. Não haverá paz sem justiça social e ambiental. Ninguém pode se eximir de contribuir nesta luta, que é de todos.