Economia Verde: Vampiros de energia

 Agostinho Vieira

Pesquisa mostra que nunca se consumiu tanta eletricidade como agora. Só a Tecnologia da Informação (TI) e os sistemas em nuvem utilizam mais energia hoje do que todas as pessoas do planeta em 1985.

0 mundo mudou. Ninguém tem dúvida. Estamos mais ligados, antenados o tempo todo com tudo que acontece no mundo, no país, no trabalho e entre os nossos amigos. Trabalhamos e nos relacionamos 24 horas por dia. Mas isso tem um custo. A tal nuvem, usada para armazenar dados, funciona de uma forma completamente diferente dos modelos convencionais de iluminação e transporte.

Por mais que um carro permita ir do Rio a São Paulo quantas vezes quiser, ninguém faz isso. A refrigeração das casas também tem um limite. Assim como as luzes do escritório ou a televisão da sala. Alguma hora elas são desligadas. Já o grande valor ou característica dos novos sistemas de TI reside exatamente no fato de estar ligado o tempo todo. Sem intervalo. Sejam os grandes centros de processamento de dados, os computadores do escritório ou os celulares.

Um estudo feito pela Digital Power Group concluiu que um simples iPhone é capaz de gastar mais energia ao longo de um ano do que um frigorífico. De acordo com o relatório, a tendência é piorar, na medida em que os aparelhos que possuímos hoje forem se tornando cada vez mais poderosos, complexos e acessíveis a todo mundo. Imagine o tamanho e o peso dessa nuvem quando todos os chineses, indianos e nigerianos estiverem com o último modelo de smartphone ligado no Wi-Fi?

Segundo Mark Mills, um dos responsáveis pela pesquisa, ver um filme em HD, online, numa rede sem fios, consome muito mais energia do que assistir o mesmo filme num DVD. Incluindo na conta toda a energia gasta para produzir e transportar o DVD até sua casa. O que fazer? Ações básicas como ter uma iluminação eficiente em casa e desligar a luzinha do stand-by ajudam, mas não resolvem.

Precisamos investir cada vez mais em fontes limpas e renováveis de energia. Empresas como o Google e a Microsoft têm feito algum esforço nessa direção. Mas o fundamental mesmo é mudar o estilo de vida e os nossos padrões de consumo. Ninguém pretende voltar para a máquina de escrever e para o telefone fixo, mas podemos ter um pouco mais de equilíbrio. Relações reais são muito melhores do que as virtuais. Estamos nos transformando em “vampiros de energia” E isso não é nada bom.

“O Brasil é o segundo país em potencial de energia renovável. Podemos chegar em 2050 com 80% de energias renováveis.”

Carlos Nobre, SECRETÁRIO DE POLÍTICAS DO MCT

O LIDER DE BAIXO CARBONO

Apesar da queda de investimentos nacionais, Brasil se mantém como o mercado mais verde da América Latina e do Caribe, de acordo com o índice Climatescope publicado esta semana

Cláudio Motta

O Brasil tem a economia mais verde da América Latina e Caribe. O país está novamente no topo na segunda edição do Climatescope, relatório anual que classifica 26 nações da região quanto à sua capacidade de fomentar o crescimento da energia de baixo carbono. Os especialistas analisam a infraestrutura para a chamadas fontes limpas, excluindo as hidrelétricas de grande porte, e o desenvolvimento de novos projetos, entre outros parâmetros. O trabalho, apresentado hoje pela Bloomberg New Energy Finance (BNEF) e o Fundo Multilateral de Investimentos (Fomin) do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) na Casa Daros, em Botafogo, ainda será publicado em outubro em sua versão final, na qual contará com os perfis detalhados dos 26 países analisados.

A partir de 39 indicadores que medem a capacidade de atração de investimentos, foi criado um índice que varia de 1 a 5, sendo que quanto maior a nota melhor. A brasileira ficou no meio desta escala, com 2,48 (contra 2,64 em 2012). O número reflete a queda de 36% dos investimentos nacionais em energia limpa em 2012 na comparação com 2011, ío-talizando US$ 9,2 bilhões (cerca de R$ 22 bilhões).

Esta desaceleração não foi exceção. Dados do Climatescope mostram que a média global de investimentos caiu 11% no mesmo período. Por isso, os resultados da América Latina e Caribe — queda de 3,8%, chegando a um volume de US$ 17 bilhões — são bons.

Quando a América Latina e o Caribe são analisados em bloco, contudo, a participação na fatia mundial é considerada pequena, permanece na casa dos 6%. Esta timidez nos investimentos em energia limpa na América Latina foi uma das principais razões para a criação do Climatescope. Por outro lado, quando a retração brasileira dos investimentos é excluída da conta, a América Latina e o Caribe conseguem um crescimento de 164% nos investimentos em 2012 em relação ao ano anterior, passando dos US$ 2,8 bilhões para US$ 7,5 bilhões. O ótimo resultado é puxado por países como México (com taxa de crescimento de 450% dos investimentos), República Dominicana (431%), Uruguai (327%), Peru (325%) e Chile (314%).

A redução dos investimentos brasileiros também reflete a demora pela qual o BNDES, principal financiador do Brasil, rèpassa o dinheiro, uma vez que só captamos os recursos repassados — ressalta Maria Gabriela da Rocha Oliveira, diretora para América Latina da Bloomberg New Energy Finance. — Além disso, as notas atribuídas são ponderadas em relação ao tamanho das economias. Caso contrário, não seria possível comparar num ranking países grandes com pequenos.

O    que chamou a atenção dos especialistas foi, por um lado, a disponibilidade de recursos naturais da América Latina, que permite a produção de energia limpa em grande escala. E, por outro, a necessidade de ampliar a produção da energia para alimentar estas economias. Mesmo com estas premissas, a energia limpa não é tão grande na região. Uma das rações para explicar isto, de acordo com especialistas, é o tamanho das políticas de incentivos, maior na Europa e nos Estados Unidos.

|    — Mas agora estamos percebendo que, mesmo sem tantos incentivos, os preços de geração de energia limpa estão ficando mais baratos — constata a especialista. — Diante deste cenário, começamos a ver que a região poderá ser a primeira a apresentar um volume significativo de produção de baixo carbono sem tanto subsídio. O Brasil está se consolidando com um exemplo desta política, baseada na dinâmica do mercado. Os leilões de energia ficam mais atrativos, e sè consolidam como um novo paradigma para energia renovável, no qual os governos podem gerenciar melhor seus recursos.

Além do Brasil, outros oito países da região já realizam leilões como forma de incentivar a produção de energia limpa: Argentina, Costa Rica, Guatemala, Honduras, Jamaica, Panamá, Peru e Uruguai. Este instrumento, porém, pode ser usado para todas as formas de geração elétrica. Na semana passada, um leilão contratou no Brasil R$ 20,6 bilhões em 19 projetos, de hidrelétricas a térmicas.

Cadeia de produção nacional é completa

A cadeia produtiva para a geração de energia limpa instalada no Brasil está entre as mais completas do mundo, de acordo com o rela-torio Climatescope, que a Revista Amanhã teve acesso com exclusividade. A nota neste quesito (4,25) foi a mais alta e mais próxima de 5 — a pontuação máxima — do que qualquer país já alcançou.

—    Essa pontuação mostra que a indústria da energia limpa está bem consolidada no pais, a estrutura está toda lá — diz Maria Gabriela da Rocha Oliveira, diretora para América Latina da Bloomberg New Energy Finance.

—    O Brasil não tem nada de geotérmica. Tem cadeias 100% completas para biocombustíveis, bio-massa e pequenas centrais hidrelétricas. Na cadeia da eólica, só precisa da produção de pás, mas isso está acontecendo por conta de novas regras de financiamento do BNDES. E, na solar, faltam apenas três segmentos. Por isso, o horizonte de crescimento da energia limpa brasileira é grande. O investidor que olhar o país encontrará tudo que precisa.

Na composição da nota final do Climatescope, porém, as cadeias produtivas têm o menor peso (10%) dos quatro parâmetros analisados. O mais importante é político (que eqüivale a 40% do índice). Neste quesito, os especialistas analisam a estrutura do mercado, sua regulação, a legislação e as regras de incentivo. E o Brasil ficou em segundo lugar, com nota 2,25.

O terceiro parâmetro para determinar o índice é a existência ou não de fundos de apoio à energia limpa, incluindo a disponibilidade e o custo do capital local (valendo 30% da nota final). Neste quesito, o Brasil teve a pior posição, ficou em sétimo (nota 1,56).

Por fim, são verificadas as condições para projetos de compensação de carbono, além das ações de redução de emissões e outras práticas sustentáveis (20% da nota). Neste campo, o país também foi o melhor da América Latina e Caribe (nota 3,40).

Todos estes dados que formam os subitens e compõe a nota final do índice ficarão dispo-níveis na internet a partir de outubro. Quem quiser fazer a comparação com a pontuação do ano passado, ela permanece on-line no endereço bit.ly/Climatescopel2.

—    Um dos objetivos do índice é difundir informações sobre a energia limpa — salienta Maria Gabriela. — O site é bastante interativo e até os microdados ficam disponíveis.

O próximo passo será ampliar a área de atuação do Climatescope, para que o índice se torne um parâmetro global. No ano que vem, a África e outros países em desenvolvimento da Ásia serão incluídos na pesquisa.

Fonte: Globo, 03.09.2013