Financiamento e financeirização em pauta

Grupo Carta de Belém organiza webinários sobre a recuperação econômica pós-Covid 19

A crítica à financeirização da natureza, bem como a defesa dos direitos territoriais e ambientais, são pilares do Grupo Carta de Belém. Com o contexto da pandemia, tem se observado que os processos de financeirização da natureza têm avançado, seja pela intensificação da produção e exportação de commodities conectada a processos de financeirização dos sistemas agroalimentares, seja pela multiplicação de estratégias de financiamento, que reatualizam a importância da “natureza” como capital natural.

Por isso, o Grupo Carta de Belém deu início a um ciclo de webinários com o tema “Recuperação econômica pós-Covid 19: rumo a um pacto verde?”. Os webinários são fechados e reúnem especialistas no tema e representantes dos movimentos e organizações da sociedade civil que compõem a articulação. Ao todo serão quatro encontros entre agosto e setembro. O objetivo é debater as novas disputas em torno dos modelos de desenvolvimento que tem surgido com a pandemia. Modelos que reproduzem ‘falsas soluções’, que aprofundam processos de privatização, mercantilização e financeirização da natureza e dos bens comuns. Apesar de se mostrarem como formas inovadoras de proteção do meio ambiente, por vezes, essas estão associadas à própria degradação destes territórios e a violações de direitos humanos.

O Grupo propõe compreender, por exemplo, se todo financiamento é necessariamente conectado ou leva a uma ação de financeirização, quais as diferenças entre eles e qual é o lugar que povos e comunidades tradicionais, povos indígenas, e agricultores familiares e camponeses ocupam neste processo.

Primeiro encontro debateu “Financiamento e financeirização”

O primeiro webinário, com o tema “Financiamento e financeirização”, aconteceu em 24/08 e foi dedicado a uma reflexão sobre a economia verde e a financeirização da natureza a partir de experiências alternativas concretas. As políticas de financiamento, fomento e comercialização da agricultura familiar nos últimos 30 anos e a experiência do Fundo Socioambiental Barcarena e Abaetetuba, criado em 2018 no Pará, fomentaram a discussão sobre futuros possíveis para a defesa dos direitos socioambientais.

Foi reiterado que para se falar de financeirização e financiamento e se pensar na retomada verde da economia, é preciso analisar a conjuntura, mas, ao mesmo tempo, perceber o que há de estrutural neste processo, já avistando em movimentos que se consolidavam na economia política global antes da pandemia aspectos estruturantes, que se aceleraram, porém não foram criados com a pandemia. 

Portanto, colocou-se que a financeirização é um movimento que já acontece há muito tempo e que está sendo potencializado na pandemia. Há aspectos que se repetem nesses processos de financeirização por meio dos quais é possível tentar entender a retomada econômica que se está propondo no contexto atual. Quando se diz que algo está sendo financeirizado, automaticamente, conecta-se à ideia da existência de um mercado financeiro que está operando valores em vários lugares do mundo e, mais que isso, está criando valores a partir de sua própria forma de operação que, de maneira simples, pode-se traduzir como criar dinheiro em cima de dinheiro, ou seja, produzir recursos financeiros por meio de geração de volume em moeda. Muitas das vezes, o volume de moeda que se gera nestas operações deriva de uma mesma materialidade ou de um valor estimado desta materialidade que pode ser transformado em uma reserva fictícia de dinheiro para dinamizar e dar liquidez, isto é, dinheiro para quem autorizou e assegurou esta transformação, afirmando que pagará essa derivação de valor, esta coisa que se gera, que é o título, no futuro.  

Assim, cria-se uma dívida, transformada em título que se valoriza a partir da credibilidade de seu pagamento no futuro, mas, que sai do controle de quem garantiu o pagamento e do valor real mesmo de onde (da matéria, do produto, do serviço) se derivou e se compôs o título ou uma ação.

Marcela Vecchione explica a diferença entre financeirização e financiamento

A nível internacional, nos últimos anos está ocorrendo uma articulação entre governos, empresas e investidores para financiar os projetos de vida nos territórios, como forma de  garantir a cadeia global de produção e de que as iniciativas nos territórios possam gerar alguma autonomia nas comunidades. É um desafio grande, pois os operadores do capital e a maneira acelerada como isso vem se organizando, trazem a problemática de que esses recursos venham travestidos de financeirização.

O webinário seguinte teve como tema as novas tecnologias e a chamada bioeconomia. O terceiro debateu as origens, princípios e conceitos do Green New Deal em suas versões estadunidense e da União Europeia, e sua relação com a financeirização da vida e da natureza.