O que esperar das Conferências do Clima?

Orlando Calheiros entrevista Letícia Tura, diretora da FASE e membro do Grupo Carta de Belém.

O objetivo principal das Conferências das Partes pelo Clima (COPs), desde que tiveram início, nos anos 90, era chegar a um consenso para evitar um aumento superior a 1ºC na temperatura global. No entanto, a meta atual já tem se rebaixado a 1,5ºC e, conforme os compromissos voluntários estabelecidos pelas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), a Terra se aqueceria 3ºC, alerta Letícia Tura, que explica que a história desses 30 anos de COPs não tem sido fácil nem bonita. “As conferências do clima mostram claramente a correlação entre o clima e a economia”, afirma ela. 

A biodiversidade, assim como a saúde e a qualidade de vida de uma parte da população, principalmente nos países do Sul Global, está sendo sacrificada para que o estilo de vida desenvolvimentista, produtivista e consumista de uns poucos se mantenha. “Não é só um debate institucional, tem a ver com o presente e o futuro de toda a população e precisa ser entendido como um assunto político, e não técnico”, declara Tura, que defende que o mais urgente é a transformação da matriz industrial. As decisões individuais de cada país não são suficientes; é preciso que haja uma articulação entre todas as partes, das instituições junto com a sociedade civil e a cidadania. “É necessária uma transformação sistêmica muito profunda e é isso o que a gente não vê nos debates das COPs. Por isso o papel da sociedade civil é tão relevante para pressionar os negociadores”, acrescenta Tura. 

O que está em disputa em termos de escala global? 

A disputa comercial entre os Estados Unidos e a China, os dois maiores emissores de GEE, também se reflete nas suas posições ambientais. O foco da luta climática global está na redução do uso de combustíveis fósseis, mas isso significa uma diminuição no comércio em grande escala. “Para ser uma potência mundial, ainda é necessário que se tenha a possibilidade de emitir GEE, mas, se esses dois países não tomarem determinadas medidas, será muito complicado controlar o aquecimento global”, afirma Tura. A Índia, o terceiro maior emissor, conseguiu mudar o texto final do Acordo de Glasgow para que, em vez de propor a eliminação do uso de carvão até 2050, se fale em uma “redução gradual”. 

O Brasil brilhava nas negociações climáticas: foi o primeiro país a anunciar metas voluntárias depois da COP15 de Copenhagen em 2009. Era pioneiro na luta contra o desmatamento e, como resultado disso, conseguiu reduzir drasticamente as emissões ligadas ao uso da terra e à agropecuária. Além disso, manteve um posicionamento contrário aos mercados de carbono de compensação florestal até a COP26. “No entanto, a recente virada política do país o tornou um pária no contexto climático internacional e uma ameaça para a biodiversidade e para os direitos socioambientais dentro do Brasil”, explica Tura. Além das injustiças entre países, é necessário olhar para os diferentes impactos entre classes sociais, pois as populações mais empobrecidas são as mais vulneráveis aos efeitos da mudança climática. “O debate climático não está separado do debate econômico que gera as desigualdades sociais. A postura dos países é cínica, porque a gente sabe o que está por trás. Quando vamos efetivamente taxar as grandes fortunas?”, declara Tura.

A entrevista de Orlando Calheiros com Letícia Tura está disponível na íntegra no canal @ocalheiros na twitch.

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