PROPOSTA DO GRUPO CARTA DE BELÉM DE PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NAS CONSULTAS NACIONAIS SOBRE CONTRIBUIÇÃO DO BRASIL PARA UM NOVO ACORDO CLIMÁTICO PÓS-2020

O Grupo Carta de Belém – GCB – é formado por organizações e movimentos socioambientais, trabalhadores e trabalhadoras da agricultura familiar e camponesa, agroextrativistas, quilombolas, organizações de mulheres, organizações populares urbanas, estudantes, povos e comunidades tradicionais que compartilham a luta contra o desmatamento e por justiça ambiental na Amazônia e no Brasil. O grupo atua no sentido de dar visibilidade e ampliar o debate das mudanças climáticas e seus efeitos nos territórios, incluindo neste debate os processos e mecanismos de mercado que vem sendo criados para o enfrentamento da crise climática.

Desde sua criação, em 2009, o GCB tem expressado sua visão crítica à chamada financeirização da natureza, a partir do entendimento que os mecanismos de mercado não são capazes de assumir a responsabilidade sobre a vida no planeta. O grupo reafirma apoio à posição brasileira nas negociações internacionais de não abrir o mercado de carbono como instrumento de financiamento das políticas relacionadas aos projetos de REDD+, que agora são definidos como uma abordagem para a inspiração de políticas mais estruturantes em nível regional e internacional.

Por isso mesmo, o GCB questiona no âmbito nacional a construção de um marco legal sobre Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação antes da finalização do acordo internacional. Entendemos que a criação da legislação nacional na matéria poderá gerar um fato consumado e impossibilitar qualquer barganha nas negociações internacionais de clima. Qualquer avanço na criação de leis nacionais ou de mecanismos jurisdicionais de REDD+ no nível estadual, além de inviabilizar iniciativas futuras de proteção da soberania nacional e de seus povos sobre seus territórios, também dificulta a construção junto a sociedade civil, sob sua participação e monitoramento, de políticas públicas ambientais, nacionais e internacionais, que enfrentem, de fato, a crise climática.

O Grupo Carta de Belém vê como positiva a iniciativa brasileira de propor consultas nacionais para a definição de compromissos para o acordo pós-2020. O GCB entende que a proposta deveria ser ainda um passo à frente para definir como as consultas à sociedade civil deveriam ser feitas pelo Governo brasileiro. Acreditamos que a forma como as consultas se realizam, hoje, são muito seletivas e excluem grupos sociais que deveriam estar envolvidos ativamente no debate, mas que não o fazem por não terem acesso à linguagem e ao tema da formulação de política externa e de sua ligação com o debate sobre o clima, que é local e global ao mesmo tempo.

Com vistas a dialogar sobre essa proposta, o CGB apresenta os pontos abaixo:

1)      As consultas devem ser feitas de maneira ampla, participativa, representativa e inclusiva, garantindo a participação de diferentes grupos sociais na definição dos compromissos que o Brasil vai assumir. Deve, assim, contribuir para desenvolver uma base de atuação do MRE mais atenta ao que ocorre no que chamamos de territórios, cujas populações podem contribuir no debate ao trazer elementos de alternativa ao corporativismo da agenda climática.

2)      A linguagem da consulta deve ser simples e explicativa, servindo também como um fator de informação e formação, e fugindo da tecnicidade da forma como o tema é tratado.

3)      O processo de consultas deve atender às diversidades regionais e culturais e, sobretudo, às populações que são mais afetadas pelos impactos das mudanças climáticas, entre as quais estão comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas e grupos da agricultura camponesa e familiar.

4)      As consultas devem gerar um processo de debate, esclarecimento e reflexão para além do tema da transparência. Precisa incluir discussões e informação sobre quem financia a agenda climática, expondo quem são os interessados em investir – e em como investir – em projetos e políticas relacionadas ao combate às mudanças climáticas e ao aquecimento global, conforme os atores e propostas apresentadas nas COPs;

5)      Para facilitar a participação à distância, o processo de consultas deve ser inserido no Sistema Nacional de Participação, no âmbito da Secretaria Geral da Presidência da República;

6)      Como há processos em andamento nas Universidades e outras instituições de ensino para discussão das questões relativas às mudanças climáticas, é importante fortalecer a participação da academia e sua articulação com a sociedade civil, não desvinculando ou separando as contribuições de um grupo e de outro;

7)      Favorecer a inclusão dos coletivos de jovens que tem interesse pelo tema nas consultas, garantindo a diversidade de grupos da juventude no debate, tanto quanto no que se relaciona à sua procedência geográfica, como no que toca aos vários grupos sociais dos quais esta juventude, que é transversal, faz parte.

8)      No sentido de ampliar a consulta à sociedade civil e a inserção de outros atores no processo de construção do novo acordo climático, é importante envolver os conselhos de bacia e de políticas setoriais, como o CONSEA, CONDRAF, entre outros.

9)      Essencial neste processo de inclusão e na garantia da construção de mecanismos de consulta participativos é a aprovar a criação do Conselho Nacional de Política Externa como espaço permanente e essencial para a prática da transparência e do aumento da participação da sociedade civil nos temas da política externa brasileira.

10)   Garantir reuniões presenciais para as consultas sobre o novo acordo global pós-2020.

11)   Para garantir a participação efetiva da sociedade civil, é fundamental que o Governo financie a participação das organizações e setores que não podem arcar com os custos de sua participação. Para tanto, é necessário maior clareza sobre as linhas orçamentárias do Governo disponíveis para a construção desse processo, o que envolve a divulgação, com antecedência, das mesmas disposições orçamentárias.

12)   É importante que a consulta se refira ao processo como todo e não apenas às próximas COPs. Da mesma maneira, um processo de consulta participativo e justo, tal qual colocado por normas internacionais referentes e vigentes, como é a Convenção 169 da OIT, exige o retorno do resultado sobre as discussões das atividades consultadas em novo processo de consulta. Ou seja, a mesma consulta não se trata de procedimento único, mas de processo contínuo, quando se trata de debate ainda em construção, o que caracteriza o conteúdo de “informação” de toda consulta prévia.

Desta forma, garantir a participação da sociedade civil em sua diversidade na adoção dos compromissos que o governo brasileiro assumirá no novo acordo global pós-2020 é fundamental para fortalecer a democracia, melhorar a eficiência da política e a garantir a equidade. Ao assegurar que todas as partes interessadas tenham voz nas consultas, se garante transparência, intercâmbio de informações e de experiências sobre questões fundamentais para o futuro de todos nós e para um mundo equilibrado para as gerações futuras.